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Vinho Magazine

Viagem ao sul

A maior região vinícola do Brasil não para de crescer e de evoluir em receptividade e na qualidade de seus produtos


Por: DR. Júlio Anselmo de Souza Neto


Vinhedo da Cave Geisse em Pinto Bandeira, RS

Nesta coluna, inicio o relato da viagem realizada no inverno passado, com minha esposa Leonor, pelas regiões vinícolas das Serras Gaúcha e Catarinense, onde nos deparamos com baixas temperaturas e gratas surpresas. Eu estivera por diversas vezes na Serra Gaúcha, mas não voltara lá desde 2008.



Entrada da Pizzato

DON GUERINO

Depois de três dias em Gramado, fomos a Bento Gonçalves e, no trevo da cidade Alto Feliz, vi uma placa anunciando a vinícola Don Guerino, da qual eu já havia bebido alguns bons vinhos. Resolvi ir conhecê-la e fiquei impressionado com as suas excelentes instalações. Seu receptivo turístico tem arrojada arquitetura e possui restaurante, loja e sala de degustação, onde ficamos provando alguns vinhos. Foi, então, que o proprietário da empresa, Osvaldo Motter, se aproximou e iniciamos deliciosa conversa. Ele nos contou a saga enológica da família, iniciada com seu avô italiano Valentino Motter, vindo de Trento em 1880, e continuada por seu pai, Guerino Motter, que na década de 1970, fazia vinho vendido a granel em Caxias do Sul. No ano 2000, Osvaldo adquiriu terras em Alto Feliz e

O autor com a esposa, Leonor, na sala de barricas da vinícola

iniciou o projeto da vinícola concluída em 2007. No mesmo ano, o filho Bruno foi cursar enologia em Mendoza, Argentina, retornando em 2011 para assumir a produção de vinhos.

Em 2018, a vinícola foi remodelada, resultando na bela arquitetura atual. Osvaldo nos deu a provar vários vinhos e pude confirmar sua alta qualidade, desde os vinhos de entrada, honestos e bem feitos, até vinhos de qualidade superior. Entre eles, destaco os seguintes: Torrontés Vintage 2021, Sinais Moscato Giallo 2021, Le Franc Cabernet Franc 2021, Reserva Pinot Noir 2021, Reserva Tannat, Terroir Selection Teroldego 2020, Traços Red Blend 2020, Espumante Blanc de Blanc Nature (Chardonnay). Resumindo, a visita à Don Guerino é imperdível e seus vinhos são irrecusáveis!!!


Recepção da vinícola Fontanari, de excelentes vinhos quase artesanais

CASA FONTANARI

Em Bento Gonçalves, permanecemos seis dias para visitar algumas vinícolas que eu queria rever e outras que ainda não conhecia. No primeiro dia, um domingo chuvoso, percorremos os Caminhos de Pedra (roteiro turístico obrigatório!) e fomos à Casa Fontanari, vinícola indicada por um ex-colega da UFMG, o médico Vitor Haase, pois ela pertence ao amigo dele, Juliano Fontanari, psiquiatra em Porto Alegre e vinhateiro de fim de semana em Bento, que, desde 1989, elaborava vinhos para consumo próprio. Lá, fomos recebidos por Victor Fontanari, simpático filho de Juliano, enólogo autodidata, que iniciou seu trabalho na vinícola em 2012, substituindo o pai. Desde então, reestruturou a cantina situada no porão da casa e investiu na qualidade dos vinhos. Seus vinhos, quase artesanais, são muito bons, com tremendo caráter, com destaque para os varietais de uvas italianas: Trebbiano Toscano Batonnâge 2020, Ancellotta 2020, Marselan (cruzamento de Cabernet Sauvigon e Grenache) 2018 e Nebbiolo 2021. Outros muito bons são o Chardonnay Batonnâge 2021, e o espumante Mion Brut Rosé (Nebbiolo + Syrah + Marselan + Ancellotta + Cabernet Franc + Cabernet Sauvignon). Além dos vinhos de Victor, há três bons destilados elaborados por seu pai Juliano: uma Grappa, um Brandy e um Pisco!


PIZZATO

No dia seguinte, iniciamos as visitas às vinícolas do Vale dos Vinhedos, começando pela Pizzato que eu havia visitado em 2000, quando ela tinha apenas dois anos de existência e um só vinho: o Merlot da safra 1999, que foi eleito o melhor tinto no Guia de Vinhos Brasileiros de 2001 de autoria minha e de Carlos Arruda. Hoje, o antigo prédio foi remodelado e tem nova cantina e lindo receptivo turístico. Fomos recebidos pelo simpático e competente enólogo Flávio Pizzato que, além da boa conversa, nos ofereceu uma ampla degustação que revelou o crescente nível da qualidade dos seus vinhos, entre os quais destaco: os espumantes Fausto Brut e Pizzato Vertigo Nature; os brancos Sauvignon Blanc, Semillon e Chardonnay Allumé; os tintos Cerchio Cabernet Sauvignon, Sangue de Verdade Egiodola Reserva, Veludo Azul Alicante Bouschet Reserva, Concentus Gran Reserva e o fantástico DNA 99 Merlot das safras 2014 e 2018.



Júlio Anselmo e Ademir Brandelli, da Don Laurindo

DON LAURINDO

A seguir, fomos à Don Laurindo que também havia conhecido na década de 2000, ainda na velha cantina, fundada em 1991 e depois substituída pela bela sede atual que contém a vinícola e o receptivo turístico. Lá nos recebeu o Ademir Brandelli, enólogo proprietário que hoje divide a sociedade com os filhos Moisés (enólogo) e Lucas (agro nomo). Após Ademir discorrer sobre a história da vinícola, degustamos alguns vinhos entre os quais destaco o espumante Nature, o branco Reserva Chardonnay e os tintos Pinot Noir, Merlot Memorável e Gran Reserva (corte de Tannat e Ancellotta). Surpreendeu-me o salto do nível de qualidade nesses 31 anos de existência!


ANGHEBEN

A próxima vinícola, que eu não conhecia, mas já bebera alguns de seus vinhos, foi a Angheben, fundada em 1999 por Idalencio Francisco Angheben, descendente de italianos da região do Trentino. Especialista em viticultura formado em 1964 no Curso Técnico de Viticultura e Enologia de Bento Gonçalves, o primeiro do país! Idalencio, hoje com 80 anos, é um verdadeiro tratado de viticultura e patrimônio da história do vinho brasileiro. Ele trabalhou de 1969 a 1973 na Cooperativa Vinícola Aurora e de 1975 a 2001 na Chandon do Brasil, foi professor por 31 anos dos Cursos Técnico e Superior de Viticultura e Enologia do Instituto Federal do Rio Grande do Sul e um dos fundadores do Curso Superior. Também deu consultoria a vários projetos vitivinícolas do país, inclusive no Vale do Rio São Francisco.

A Angheben é uma vinícola familiar pequena que se resume a um amplo galpão que aloja o equipamento de vinificação, as barricas de maturação e um modesto receptivo turístico. Nela, Idalencio cuida da viticultura e Eduardo, seu filho enólogo, cuida da vinificação. Seus vinhos são únicos, diferentes dos vinhos de apelo comercial e apreciados por conhecedores que buscam diversidade e originalidade. Pai e o filho nos receberam e conversamos por quase quatro horas, enquanto degustávamos os vinhos. Na conversa, fomos brindados pelo enciclopédico conhecimento de Idalencio e a criatividade enológica de Eduardo. Uma tarde inesquecível! Os ótimos vinhos que degustamos: Chardonnay 2019 (passado em barrica), Barbera 2019, Cabernet Sauvignon 2020, Tannat 2020, Teroldego Edição Limitada (corte de 03 safras: 10% de 2013 + 20% de 2014 + 70% de 2015).


LIDIO CARRARO

Finalmente, visitamos a Lidio Carraro, onde tinha agendado um encontro com Juliano Carraro, mas ele não pode nos receber e, então, degustamos alguns vinhos no recém-inaugurado receptivo turístico que fica ao lado da casa da família Carraro. Como sempre, os vinhos mostraram alto nível de qualidade e sua principal característica é a ausência de passagem por barricas de carvalho. Como costumo dizer, são vinhos “puro- -sangue”, sem maquiagem! Entre eles, destaco: Dádivas Sauvignon Blanc 2020, Dádivas Pinot Noir 2020, Elos Touriga Nacional / Tannat 2016, Singular Terol dego 2012 e o Gran Vindima Quorum 2013 (corte de Merlot, Cabernet Sauvignon, Tannat e Cabernet Franc).

Infelizmente, não pudemos visitar outras vinícolas do Vale dos Vinhedos, mas espero poder fazê-lo em breve. Finalizando, duas dicas de restaurantes no Vale: o ótimo Videiras1535 , dentro da vinícola Dom Cândido e o sensacional Mama Gema, na RS-444, em frente à Don Laurindo.


FAMÍLIA GEISSE

Fora do Vale dos Vinhedos, fomos ao distrito de Pinto Bandeira, visitar a vinícola Família Geisse que eu havia visitado em 1997, quando ainda se chamava Cave Geisse e produzia espumantes e vinhos tranquilos da marca Cave de Amadeu. Hoje, só produz espumantes feitos pelo Método Tradicional e está completamente remodelada e ampliada, com lindo receptivo turístico e novas instalações de vinificação e caves para a segunda fermentação em garrafa e o envelhecimento. Na área externa, há o Geisse Open Lounge, o Espaço Zen e trilhas que percorrem toda a propriedade, passando entre os vinhedos.

A empresa pertence a Mario Geisse, renomado enólogo chileno, e é dirigida por Carlos Abarzúa, chileno, sobrinho de Mario que nos recebeu e nos conduziu a um passeio pelos vinhedos e depois pela área de vinificação e às caves. A seguir, devido à escassez de tempo, degustamos só três vinhos: os excelentes espumantes Cave Geisse Brut Nature e Rosé Extra Brut e o bom tinto Mario Geisse El Sueño Gran Reserva Cabernet Sauvignon 2018, vinho chileno produzido por Mario na região de Colchagua.


FRANCESCO

Também fomos a Monte Belo do Sul conhecer o restaurante Francesco, altamente recomendado por Flávio e Lorenzo Pizzato. Valeu a pena percorrer (por três vezes!) os 18 km que separam Bento Gonçalves daquele pequeno município de 3.500 habitantes que também pertence ao território da Indicação Geográfica Vale dos Vinhedos (ele abrange áreas dos municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul).

O restaurante ocupa charmoso casarão de 1938, em frente à Igreja São Francisco, e a comida é fantástica! Conhecemos o chef-proprietário Diego Piccinini Gerhardt que nos apresentou o enólogo Bruno Celso, que nos indicou vinícolas locais a visitar. Como só dispúnhamos de uma tarde, fomos a apenas três delas e tivemos uma grata surpresa!


Franco Caldat Sartori e Geovane Scheeren, da Capoani

CAPOANI

Começamos pela Vinhedos Capoani, vinícola fundada em 2011 pelo industrial Noemir Capoani, dono da Ditália Móveis. A partir de vinhedo que seu pai havia plantado em 1973, ele e seus filho Wilian e Renan criaram a moderna vinícola com bonita sede, aberta à visitação em 2019, que impressiona pela cor azul turquesa presente desde os vidros da fachada e paredes interiores até os rótulos produtos.

No belo receptivo turístico, fomos recebidos pelos gentis João Floriano (administrador) e Marcos Alves (sommelier) que nos contaram a história da empresa e pelos jovens e simpáticos enólogos Franco Caldat Sartori e Geovane Scheeren que conduziram a degustação iniciada por dois espumantes elaborados pelo Método Tradicional: o ótimo Blanc de Noir Nature 2020 (100% Pinot Noir) e o muito elegante e complexo Nature 2011 (100% Chardonnay com 96 meses de autólise). A seguir, provamos o Chardonnay 2020 (delicioso), o Pinot Noir 2020 (encantador), o Merlot 2018 (muito bom) e o corte Merlot / Tannat 2013 (complexo e elegante).

Entrada da pequena casa Calza

CALZA

A seguinte foi a minúscula vinícola Calza que se resume à uma casa com galpão anexo que aloja o centro de vinificação na parte inferior e receptivo turístico no mezanino.

Infelizmente, Antoninho Calza, enólogo-proprietário não estava, mas provamos os seguintes vinhos: o bom espumante Nature Método Tradicional (60% Chardonnay + 20% Riesling Itálico + 20% Pinot Noir, com 36 meses de autólise), o branco Riesling Itálico 2021 (o primeiro brasileiro de bom nível!), dois tintos da linha Castas Italianas da safra 2020 (ambos com estágio de 8 meses de carvalho eslavônio), o Barbera e o Sangiovese (muito bom!) e o Ouro Negro Capítulo IV (corte de 40% Merlot + 20% Cabernet Sauvignon + 20% Tannat + 20% Alicante Bouchet) das safras 2018 e 2019, com estágio de 14 meses em carvalho francês e americano (muito bom).

Após a viagem, tive a chance de experimentar outros três vinhos da vinícola Calza: o bom Pinot Noir, os ótimos Castas Italianas Nebbiolo e 7 Clones Cabernet Franc (ambos da safra 2020) e o espetacular Ouro Negro Reserva Merlot (safra 2005!).


MONTE BELLO

A última foi a Monte Bello, mas como já anoitecia, só pudemos visitar a sua loja na cidade, onde nos recebeu o gentil enólogo-proprietário Bruno Celso.

Ele contou a história da vinícola, iniciada por seu avô Oreste em 1879 e resgatada seu pai em 1987, e nos apresentou sete vinhos. Primeiro, três espumantes muito bons elaborados pelo Método Tradicional e com 18 meses de autólise: o Prosecco Brut, o Rosé Brut (Chardonnay e Pinot Noir) e o Blanc de Blanc (100% Chardonnay).

A seguir, dois brancos muito bons: Stazione Glera 2020, o Chardonnay 2021. Ao final, dois ótimos tintos: o Marselan 2020 (14 meses em carvalho francês) e o Gran Corte 2020 (50% Merlot + 30% Marselan + 20% Malbec, com 12 meses em carvalho).

Sem dúvida, a grande surpresa do Vale dos Vinhedos foram os vinhos de Monte Belo do Sul, alguns dos quais coloco, juntamente com vários outros vinhos de Bento Gonçalves, entre os melhores do Brasil!

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