A técnica de dupla poda está permitindo a implantação de vinhedos no Sudeste e em outras regiões do Brasil
Por: Maria Edicy Moreira
Os vinhos de inverno nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, entre outros) já são uma realidade. As vinícolas dedicadas aos vinhos finos, a maioria de pequeno porte, que se multiplicam nessas regiões com seus vinhedos irrigados e conduzidos pela dupla poda, estão animadas com a safra de inverno e com a qualidade dos vinhos. Aqui vale um esclarecimento: Apesar de os vinhos serem chamados de inverno, na verdade as vinícolas dessas regiões fazem a vindima no final do inverno, adentrando à` primavera, nos meses de agosto, setembro e outubro.
A evolução de produtividade e qualidade, segundo os vitivinicultores, se deve à progressiva adaptação das videiras ao novo terroir, diferente daquele ao qual estavam habituadas em suas regiões de origem. Os investimentos em tecnologia e a dupla poda, que transfere a vindima do verão para o inverno/ primavera, contribuem para esses resultados positivos.
“Nossas uvas apresentaram um grau brix muito bom e isso é fruto dos investimentos que sempre fazemos em tecnologia para melhorar o cultivo das uvas e a vinificação”, afirma o diretor comercial da Vinícola Góes, Luciano Lopreto. Segundo ele, a vinícola, instalada em São Roque, a 60 km da capital pau- lista, foi uma das primeiras do Estado de São Paulo a investir em dupla poda para colher as uvas no inverno.
Essa experiência fez com que a vindima de 2022 rendesse aproximadamente 120 mil kg de uvas (vindimas de inverno e verão) registrando um aumento de 15% em relação à safra de 2021. Quanto à produção de vinhos de inverno, a quantidade de garrafas produzidas passou de 40 mil na safra de 2021 para 60 mil em 2022.
A Góes cultiva em seus vinhedos diversos tipos de uvas viníferas como Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Sauvignon Blanc, Malbec, Tannat, Touriga Nacional, Tinta Roriz, Verdelho e Alvarinho, entre outras castas que estão em testes. Segundo Lopreto quando se trata de vinhos de inverno a varietal que mais se destaca é a Cabernet Franc, que se adaptou muito bem ao terroir.
VINÍCOLA XV DE NOVEMBRO
Também em São Roque, a XV de Novembro, fundada em 1958 por Brasílio Augusto de Moraes, e hoje comandada por seu neto Alexandre de Moraes, passou décadas produzindo vinhos de mesa e só recentemente começou a investir no cultivo de uvas viníferas e mais recentemente na condução pela dupla poda, visando à produção de vinhos finos de inverno.
Em 2010 lançou o varietal Cabernet Sauvignon, iniciando sua entrada no mercado de vinhos finos. Nos anos seguintes vieram variedades como Merlot, Cabernet, Carménère e Lorena, essa última em suas versões seco e demi-sec, entre outros rótulos. Entre as viníferas mais produtivas estão Syrah, Cabernet Franc, Tempranillo e Malbec.
TERRASSOS
Nas altitudes da Serra da Mantiqueira, no município de Amparo, SP, está a Vinícola Terrassos, fundada por Fábio Luiz Nascimento, que começou a cultivar suas primeiras videiras em 2003. Após sete anos de aprendizado, testes com cerca de 20 variedades de uvas viníferas e muita dedicação, o novo empreendedor do vinho concluiu em 2010 a implantação dos vinhedos e a construção da cantina, iniciando no mesmo ano a elaboração dos primeiros vinhos.
Ao contrário da maioria dos produtores de vinho do Sudeste e Centro-Oeste, que fazem a vindima apenas no inverno a Terrassos faz duas vindimas por ano, sendo uma no verão e outra no inverno. “Na Serra da Mantiqueira encontramos um clima com grande amplitude térmica e a possibilidade de fazer duas colheitas por ano, com foco na vindima de inverno, que permite obter vinhos de excelente qualidade”, afirma Fábio Luiz.
Na safra de 2022, segundo ele, a produção de uvas ficou estável em relação a 2021. Foram processadas 30 mil kg da fruta, incluindo as safras de verão e inverno. A produção total de vinhos incluindo as duas safras em 2022 chegou a 20 mil litros, sendo 10% dessa produção espumantes e o restante vinhos tranquilos tintos e brancos.
A vinícola cultiva as variedades Syrah, Sauvignon Blanc, Moscatel, Máximo, além de uma área com Carbernet Franc em fase inicial. A Syrah continua sendo o destaque para vinhos tintos. Para espumantes Fábio Luiz conta que ainda está buscando uma combinação de uvas, atualmente trabalha com uma base branca de Moscatel e Rainha e com um rosé tendo como base a uva Máximo. “Tanto a Máximo quanto a Rainha são uvas resistentes, híbridas”.
O vitivinicultor se mostra otimista com as novas possibilidades. Ele observa que o interesse do público consumidor pelos seus vinhos vem crescendo e o fato de estar próximo aos grandes centros urbanos facilita a venda dos vinhos e o enoturismo como fonte de divulgação da marca e renda.
VINÍCOLA MARCHESE DI IVREA
No município de Ituverava, SP, nas proximidades de Ribeirão Preto, o advogado e empresário, Roberto San Martino Lorenzato di Ivrea, adquiriu em 2005 uma propriedade com o objetivo de criar um haras para lazer nos fins de semana. Porém, ao perceber a grande amplitude térmica e outras características do clima e do solo na região, conhecida como Alta Mogiana, teve a ideia de substituir os canaviais que cobriam o solo por vinhedos, visando à produção de vinhos finos.
Muito ligado às suas origens italianas, o vitivinicultor foi buscar no norte da Itália a tradição de sua família, que ainda hoje produz vinhos por lá, para alavancar sua vinícola. Os clones das uvas Sangiovese, Nebbiolo e Moscato Giallo para implantar os vinhedos em 2006 também vieram da Itália.
Hoje com a vinícola consolidada, com 11 hectares de vinhedos irrigados em produção e 4 em implantação, e uma produção de vinhos reconhecidos em todo o país, Lorenzato comemora os bons resultados de seus investimentos na vitivinicultura. As safras do ano passado (a vinícola trabalha com duas colheitas no inverno e verão) renderam 50 mil kg de uvas apresentando crescimento de 10% em relação a 2021.
Segundo ele, a qualidade dos frutos manteve as mesmas característica de sanidade e o excelente brix da safra anterior e a produção de vinhos aumentou na mesma proporção, passando de 40 mil garrafas para 44 mil em 2022. Desse total 70% são vinhos tranquilos e 30% espumantes”.
Com seu pioneirismo Lorenzato atraiu novas vinícolas para a região. “Nós fomos os primeiros na região de Ribeirão Preto, em 2006 e, devido ao nosso sucesso, muitos produtores já estão iniciando novos projetos, entre eles o da Vinícola Biagi no município de Cravinhos, da qual somos parceiros”.
MARIA MARIA
Lembra-se dessa música de Milton Nascimento? Ela inspirou a vinícola que começou a ser concebida em 2006, por Eduardo Junqueira Nogueira Júnior, representante da quinta geração de uma família de cafeicultores no Sul de Minas.
Após sofrer um ataque cardíaco, o até então cafeicultor precisou repensar seus hábitos alimentares e o cardiologista recomendou uma taça de vinho por dia. O que ele não imaginava é que tal recomendação médica e os novos hábitos de vida que deveria adotar trariam um completo redirecionamento à sua vida pessoal e como empreendedor.
Orientado por Murillo Albuquerque Regina, pioneiro no desenvolvimento da vitivinicultura na região e criador da técnica dupla poda, começou a implantar seus vinhedos na fazenda Capetinga no município de Boa Esperança, no sul de Minas Gerais, construindo posteriormente a cantina na cidade de Caldas, próxima a Poços de Caldas, na mesma região.
Hoje com 21 hectares de vinhedos implantados Nogueira colheu no ano passado 50 mil kg de uvas, quantidade parecida com a da safra anterior, mas com qualidade cada vez melhor. A quantidade de vinhos produzidos em 2022 também será semelhante à safra anterior, aproximadamente 35 mil garrafas de vinhos tranquilos, tintos e brancos.
Sobre as características de seus vinhos o vitivinicultor destaca o equilíbrio entre frescor e acidez e uma boa complexidade dos rótulos brancos, enquanto os tintos têm se mostrado mais intensos e estruturados, evoluindo muito bem em garrafa para perfis elegantes com taninos finos e boa complexidade.
Escolher as variedades de uvas para formar um vinhedo não depende apenas da vontade do vitivinicultor, depende também da resposta do terroir. No caso da Maria Maria, Nogueira escolheu Syrah, Sauvignon Blanc, Cabernet Sauvignon e Chardonnay, porém, as duas últimas, por motivos distintos, não tiveram boa adaptação. “Decidimos manter apenas a Syrah e a Sauvignon Blanc que têm ótimos resultados”.
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