Cada vez mais agricultores procuram a sustentabilidade através de diversos métodos e sistemas. Conheça a viticultura orgânica, natural e até a biodinâmica
POR MARIA EDICY MOREIRA
O aquecimento global e suas consequências sobre as condições climáticas do planeta, a produção de alimentos e a própria vida trouxe à tona uma palavra: a sustentabilidade, que hoje também está por trás da produção dos vinhos com uvas e métodos mais saudáveis. São os vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais.
Para especialistas, o certo seria dizer que os vinhos são produzidos com uvas cultivadas e certificadas pelas práticas orgânicas, biodinâmicas e, no caso dos vinhos naturais, produzidos por métodos naturais. Para simplificar o entendimento e a comercialização desses produtos se convencionou chamá-los orgânicos, biodinâmicos e naturais.
Os primeiros alertas para a produção de alimentos e vinhos saudáveis não são novos. Na década de 1920 surgiram quase simultaneamente diversos movimentos para combater a adubação química, quando ainda não se falava em sustentabilidade e aquecimento global. Esses movimentos valorizavam o uso da matéria orgânica e outras práticas de cultivo favoráveis aos processos biológicos e apontavam para quatro grandes vertentes: agricultura biodinâmica, orgânica, biológica e natural.
VINHO BIODINÂMICO
O regulamento para a certificação dos vinhos biodinâmicos foi definido pela Demeter, uma organização de certificação de agricultura biodinâmica fundada em Berlim em 1928. Atualmente a entidade tem representações em vários países e conta com 5.900 associados.
A agricultura biodinâmica é considerada quase irmã gêmea da orgânica, pois engloba todas as diretrizes orgânicas, mas possui peculiaridades estabelecidas pelo seu idealizador e fundador do Movimento Biodinâmico, o filósofo austríaco Rudolf Steiner, que desenvolveu também a Antroposofia (conhecimento do ser humano), a Pedagogia Waldorf, a Medicina Antroposófica e a Euritmia. O Movimento Biodinâmico surgiu em 1924, quando Steiner realizou oito conferências para agricultores da Alemanha apresentando sua visão alternativa de agricultura baseada na ciência espiritual da antroposofia, lançando os fundamentos da agricultura biodinâmica.
Embora a biodinâmica seja definida hoje como um sistema de agricultura, seus preceitos são mais abrangentes e não tratam prioritariamente de um sistema de produção agrícola, mas de uma filosofia ou visão de mundo que depois de muita reflexão é adotada nas práticas agrícolas de diversas maneiras.
De acordo com Steiner os vinhedos cultivados conforme suas teorias biodinâmicas precisam ser alimentados com compostos de origem vegetal, animal e mineral, aplicados em sintonia com a conjunção dos astros, principalmente o Sol e a Lua, e com outros ciclos da natureza para se alcançar o máximo equilíbrio na hora de realizar o plantio, a poda, a fertilização natural, a colheita, a vinificação e o engarrafamento. A biodinâmica interfere também no processo produtivo do vinho que deve ser elaborado sem leveduras e aditivos para ajustar a acidez e com mínimas quantidades de conservante.
O conceito de adubação de Steiner, por exemplo, é substituído por preparados biodinâmicos que visam estabelecer o equilíbrio da terra e torná-la naturalmente mais fértil. Entre esses preparados enterrados e posteriormente desenterrados, háum chifre de vaca com quartzo moído e outro chifre de vaca ou cabeça de animal cheios de excremento de bovino para capturar as energias do cosmo e fortalecer o solo e as plantas.
O chifre-esterco, feito com excremento fresco de vaca, deve ser enterrado a uma profundidade de 50 cm a 80 cm no período de março a abril ou maio e desenterrado em setembro ou outubro. O preparado é destinado ao solo e todos os processos formativos de desenvolvimento radicular, assim como a interação das raízes com todos os organismos vivos presentes e atuantes. Por permanecer enterrado durante o inverno, esse preparado leva a informação das forças terrestres, que estariam muito presentes nesta estação, pela fé biodinâmica.
Depois de desenterrado e altamente “dinamizado”, o chifre deve ser aplicado em gotas grossas, direcionado ao solo ao entardecer. É ideal para as plantas novas pois fortalece o processo de enraizamento. Utiliza-se de 60 g a 250 g diluídos em 60 a 100 l de água por cada hectare. O armazenamento deve ser feito em potes de barro em local mais húmido para evitar ressecamento (porão é ótimo). O preparado chifre-sílica é o representa a luz e é conhecido como primavera de bolso. Atua diretamente nas funções fotossintéticas da planta favorecendo os processos de luz e calor.
Existem outros preparados com flores e plantas como: Milefólio (Achillea millefolium), suas flores são colocadas em bexiga urinária de cervo e então colocado ao sol durante o verão, enterrado em terra durante o inverno e recuperados na primavera; Camomila (Matricaria recutita), suas flores são colocadas no intestino delgados de gado enterrados na terra rica em húmus, no outono e recuperados na primavera; Urtiga (Urtica dioica), as plantas em plena floração são colhidas e colocadas no subsolo cercado por turfa em todos os lados por um ano. Esses são apenas alguns exemplos das várias outras preparações criadas por Steiner.
Coisas exóticas como essas acontecem também no Brasil. No Rio Grande do Sul um grupo de produtores de vinho adeptos da agricultura biodinâmicas passa horas amassando excremento fresco de vaca com as mãos e depois o enterra no vinhedo para atrair forças cósmicas. Tais práticas são criticadas por não-simpatizantes do movimento, que consideram essas iniciativas mais magia ou simpatia do que agronomia.
Para quem acredita no modelo criado por Steiner, a agricultura e a natureza se ajudam: os chás naturais auxiliam na mineralização do solo, a plantação de rosas entre as videiras controla a proliferação de pragas e o engarrafamento do vinho é feito de acordo com os ciclos lunares, tudo para garantir o completo equilíbrio do solo. Por seguir um ciclo que elimina os produtos sintéticos, acreditam que a agricultura biodinâmica é responsável pela produção de vinhos mais saudáveis e intensos.
A proposta biodinâmica para a produção de vinhos vai além da técnica agrícola convencional: ela é uma filosofia em que respeita a biodiversidade ao redor da vinícola. Os produtores de vinhos trabalham para que a agricultura e a natureza se ajudem e ao mesmo tempo o ajudem a obter vinhos mais saudáveis.
Para os cientistas e críticos, apesar dos seus detalhes e da forma mais integrada de trabalhar do que a agricultura orgânica, a biodinâmica não apresentou cientificamente nenhuma diferença nos resultados em relação às práticas agrícolas orgânicas. Com base na falta de evidências fortes para a comprovação da sua eficácia eles consideram a agricultura biodinâmica como uma pseudociência e um pensamento mágico.
Os críticos da biodinâmica não acreditam muito nos efeitos de suas propostas um tanto esotéricas. Pode ser que uma parte desse esoterismo não interfira mesmo na qualidade do vinho, mas como a biodinâmica estabelece outras regras que interferem em todo o vinhedo, como a eliminação de agrotóxicos e o cultivo orgânico, certamente os vinhedos irão se tornar mais saudáveis.
Os problemas da biodinâmica aparentemente estão na reconversão dos vinhedos, que custa caro, é trabalhosa e demorada, e na atitude de muitos produtores que usam o marketing da biodinâmica para aumentar os preços de seus vinhos, tornando-os acessíveis a um número menor de pessoas.
Apesar das críticas, as técnicas biodinâmicas vêm conquistando adeptos. Desde 2011 já foram usadas em 142.482 hectares de agricultura em geral e viticultura, em 47 países. A Alemanha responde por 45% do total global das técnicas de agricultura biodinâmica. Métodos biodinâmicos no cultivo de videiras foram adotados por várias vinícolas de renome na França, Itália, EUA (Califórnia), entre outros países.
Na França o Biodyvin - Syndicat International Des Vignerons en Culture Bio-Dynamique, criado em 1995, reúne atualmente em toda a França 103 vinícolas certificadas dentro dos conceitos da viticultura biodinâmica, além de mais duas propriedades na Alemanha. Somente as propriedades cultivadas inteiramente dentro dos conceitos da biodinâmica, ou aqueles que se comprometeram à conversão total após quatro anos, são aceitas como membros certificados pela entidade.
Estima-se que a partir de 2006, mais de 200 vinícolas em todo o mundo foram certificadas como biodinâmicas por diferentes órgãos como Biodyvin e Demeter International que tem filiados em diversos países e certifica a agricultura em geral e também a viticultura. Além disso, numerosos outras vinícolas empregam métodos biodinâmicos em uma maior ou menor extensão escala sem se comprometer com a certificação.
VINHOS ORGÂNICOS
A agricultura orgânica ganhou regulamentações mais claras no início dos anos 70. A oposição em relação ao padrão produtivo agrícola convencional concentrava-se em torno de um amplo conjunto de propostas “alternativas”, movimento que ficou conhecido como “agricultura alternativa”.
Em 1972 surgiu em Versalhes, na França, a International Federation on Organic Agriculture (IFOAM). Logo de início, a IFOAM reuniu cerca de 400 entidades “agroambientalistas” e foi a primeira organização internacional criada para fortalecer a agricultura alternativa (orgânica). Suas principais atribuições passaram a ser a troca de informações entre as entidades associadas, a harmonização internacional de normas técnicas e a certificação de produtos.
Apesar de a IFOAM ter iniciado seu movimento a favor da agricultura orgânica na França, foram os americanos naturalistas da Califórnia que produziram os primeiros vinhos orgânicos do mundo. Prática que os europeus só adotaram 30 anos depois e hoje usam a certificação como instrumento de marketing para vender seus vinhos orgânicos.
O cultivo de uvas orgânicas destinadas à produção de vinhos orgânicos se baseia nos mesmos princípios de qualquer outro cultivo orgânico: não utilização de agrotóxicos como herbicidas, fungicidas entre outros, nem adubos químicos. A adubação e controle de pragas devem ser feitos de forma natural, sem processamento industrial, utilizando somente material de origem orgânica, de preferência aqueles encontrados ao redor da região de cultivo, do mesmo ambiente. Os predadores naturais como galinhas e joaninhas podem ser uma alternativa para controlar pulgões que atacam as videiras, por exemplo.
Os princípios da agricultura orgânica devem ser aplicados em todo o vinhedo, que necessita ser visto de forma global, pois qualquer descuido em relação a um elemento poderá afetar toda a produção de uvas e, consequentemente, o vinho. E o produtor pode até perder a certificação orgânica.
Um vinho orgânico é o resultado de um sistema de produção agrícola que maneja a produção de uvas de forma equilibrada, levando em conta o solo e demais recursos naturais (água, vegetais, animais, insetos) conservando-os e mantendo a harmonia desses elementos entre si e com os seres humanos. Os pesticidas, herbicidas e adubos químicos também não são permitidos porque atacam a raiz da vinha e a partir daí pode afetar toda a planta e esgotar as propriedades naturais do solo. Adubos naturais podem revitalizar as videiras e animais como galinhas e joaninhas podem ajudar a proteger as videiras do ataque de pulgões, por exemplo.
A natureza também pode dar sua contribuição espontânea para a produção de uvas orgânicas. Na Provence (França), a saúde das uvas em algumas regiões é proporcionada pelo vento Mistral, um vento frio e seco, que varre a umidade do ar e consequentemente as possibilidades desenvolvimento dos fungos. A região de Les Baux de Provence, é a mais atingida pelo Mistral, e isso garante 85% da produção de uvas orgânicas. No Chile as cordilheiras que circundam o país criam um isolamento geográfico protegido do ataque de pragas, proporcionando um terroir privilegia para o cultivo de uvas orgânicas.
VINHOS NATURAIS
A produção de vinhos naturais talvez seja a menos regulamentada e a que mais tardou na definição de regras para a produção desse tipo de vinho, que também perde em prestígio internacional, quando comparado aos orgânicos e biodinâmicos. Enquanto os vinhos biodinâmicos e orgânicos já eram associados a qualidade elevada, até recentemente os vinhos naturais sequer contavam com uma regulamentação que definissem claramente as suas características e uma imagem de qualidade frente ao vinho convencional, por exemplo.
Porém, as coisas estão mudando. Em 2012 foi publicado o regulamento comunitário para a produção de vinho natural a partir de uvas sem química, provenientes de vinhedos orgânicos. O regulamento não estabelece muitas diferenças entre o processo produtivo convencional e o natural, mas complementa, pelo menos em parte, a regularização da produção dos vinhos naturais.
No que se refere à qualidade, apesar de ser a categoria menos regulamentada e divulgada, já existem vinhos naturais de qualidade, mostrando que a soma de uvas orgânicas ao processo produtivo livre de intervenções químicas pode render bons vinhos, atendendo àqueles consumidores que procuram por produto saudável para o seu corpo e que não afetam o meio ambiente.
A fórmula produzir vinhos naturais hoje é quase um resgate do acaso que fez surgir o primeiro vinho no mundo. Os enólogos dizem que o vinho surgiu talvez por um punhado de uvas amassadas esquecidas em um recipiente, que sofreram posteriormente os efeitos da fermentação e se transformaram em vinho. Pesquisadores encontraram referências que indicam a Geórgia como o local onde provavelmente se produziu vinho pela primeira vez. Foram encontradas neste local grainhas (sementes de uva) datadas entre 8000 a.C. e 5000 a.C.
Hoje o vinho natural pode ser produzido com uvas provenientes da agricultura orgânica ou biodinâmica e tem como principal característica, os princípios da própria natureza. Não sofre interferências de processos industriais como o uso das leveduras comerciais para fermentar as uvas, nem recebe conservantes e aromatizantes. O vinho nasce naturalmente, amasse-se as uvas cultivadas da forma mais natural possível (seguindo os preceitos da agricultura orgânica e/ou biodinâmica) e a partir daí as leveduras da casca da própria uva agem e transformam o fruto em vinho.
Hoje estima-se que aproximadamente 2 mil aditivos podem ser usados em uma produção de um vinho convencional. Por isso, somando a preocupação com a sustentabilidade do planeta e com a própria saúde, os consumidores clamam cada vez mais por alimentos e vinhos mais saudáveis.
Para entrar no mundo dos vinhos os naturais o enófilo ou iniciante necessita estar preparado para consumir um vinho fora da curva. Por não passar por nenhum tipo de filtragem o vinho fica escuro e espesso e a saída para melhorar a sua aparência rústica e realçar os aromas e sabores é decanta-los antes de consumir.
Sem a presença de conservantes e leveduras comerciais, a durabilidade do vinho pode ser reduzida, mas de acordo com especialistas isso é relativo. Vai depender da composição natural do vinho. Por outro, lado os efeitos prejudiciais da bebida sobre a nossa saúde também poderão ser reduzidos.
Lizete Vicari, proprietária da vinícola Domínio Vicari, explica que a duração de um vinho natural depende da sua composição química como acidez, álcool, nível de taninos etc. Os vinhos convencionais utilizam do sulfito como uma extensão destes fatores. Porém a duração de qualquer vinho depende também da higiene com que foi produzido e de como ele é armazenado. “Já tivemos a oportunidade de tomar vinhos naturais com mais de 30 anos que estavam intactos e convencionais com 2 anos completamente passados”.
Essa “nova” geração de vinhos (orgânicos, biodinâmicos e naturais) promete acima de tudo sustentabilidade e mais saúde, embora os caminhos para se chegar a esse novo eldorado dos vinhos ainda estejam sendo traçados pelos produtores e pelos consumidores que, em muitos casos descobrem que os preços são altos e que as qualidades organolépticas do vinho podem não ser muito superiores às dos vinhos convencionais.
Os críticos dos vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais dizem que a conversão do vinhedo convencional em orgânicos ou biodinâmicos para produzir estes vinhos tem um custo alto e a percepção do resultado pode demorar. Além disso, alguns produtores usam os termos orgânico, biodinâmico como instrumento de marketing para elevar os preços de seus vinhos tornando-os acessíveis apenas a uma pequena parcela de consumidores. Muitos dos maiores rótulos de Borgonha, por exemplo, são biodinâmicos e normalmente são associados à qualidade elevada e o preço também sobe.
VINHOS SUSTENTÁVEIS NO BRASIL
Falar de vinhos sustentáveis (orgânicos, biodinâmicos e naturais) é muito bonito, mas a realidade do mercado mundial e principalmente brasileiro mostra que a falta de certificação, não acontece só no Brasil, principalmente para a biodinâmica e para os vinhos naturais.
Na Europa também essas duas certificações não têm total adesão. Muitos produtores de vinhos na Europa e nas Américas praticam as técnicas de agricultura orgânica e biodinâmica e de produção de vinhos naturais, mas não fazem questão de seguir todas as regras rígidas e pagar para exibir o selo.
As regras mais bem-definidas e seguidas são as que definem os vinhos orgânicos. Para os vinhos naturais e biodinâmicos as exigências junto aos produtores não são claras na Europa, Américas e Brasil, e os produtores não fazem questão de correr atrás de selos e regras rígidas. Cada um busca a sustentabilidade a seu modo. Isso mostra a baixa adesão até à agricultura orgânica que, apesar de ser a mais adotada, responde por apenas 4% da produção mundial. No Brasil os vinhos finos orgânicos certificados são raras exceções, sazonais que vêm e vão, e os biodinâmicos praticamente não existem. O que predomina por aqui são os vinhos naturais sem aditivos químicos e sem filtragem, produzidos com uvas orgânicas de mesa e sem certificação.
MENOS AGROTÓXICOS
O que anima nesse caso é que existem no Rio Grande do Sul cooperativas e associações de produtores de vinhos que trabalham junto aos cooperados e pequenos produtores orientando sobre as práticas da agricultura orgânicas e biodinâmicas, reduzindo o emprego de agrotóxicos no campo e de aditivos químicos na produção desses vinhos.
Quanto aos vinhos finos orgânicos ou biodinâmicos, quando pesquisamos ficamos sabendo de produtores que produziram vinhos certificados ou não nessas categorias, mas descontinuaram e outros pequenos produtores, geralmente ligados a cooperativas, que estão lançando algum vinho fino orgânico certificado em pequenas quantidades.
Esse é o caso do vitivinicultor Acir Borotto, membro da Coopeg – Cooperativa de Produtores Ecologistas de Garibaldi. Ele é uma das exceções entre os produtores de vinhos com uvas orgânicas finas. Lançou recentemente os espumantes Brut e Demi Sec elaborados com as uvas Sauvignon Blanc e Moscatel, que segundo ele, se adaptaram melhor ao terroir. “A produção dos espumantes foi feita da forma mais natural possível: fermentação natural, sem adição de açúcar, nem levedura e conservantes”.
Com relação ao processo de certificação orgânica Barotto diz que os desafios são o custo alto e a complexidade do processo, pois existem muitas normas que o produtor tem de seguir para receber a aprovação. Existe também um monitoramento que acompanha se as técnicas de cultivo orgânico estão sendo aplicadas.
Hélio Marchioro, diretor executivo da Fecovinho - Federação das Cooperativas Vinícolas, do RS, produziu em 2017 seu primeiro vinho com uvas finas certificadas como orgânicas, Cabernet Franc e experimentalmente Merlot. Além disso, ele está implantando outras cepas com cultivo orgânico visando à produção de vinhos e espumantes orgânicos.
Os vinhos naturais produzidos com uvas de mesa orgânicas como Isabel, Niágara etc. sem leveduras artificiais e aditivos químicos são bem mais fáceis de encontrar, principalmente entre os pequenos produtores, muitos deles associados a cooperativas. Porém, a maioria não tem certificação nem para as uvas orgânicas ou biodinâmicas nem para o processo de produção natural.
Adeptos dos vinhos naturais, Lizete Vicari e seu filho José Augusto Vicari Fasolo, proprietários da Domínio Vicari, fundada em 2007, começaram a produzir vinhos em um lugar inusitado, a Praia do Rosa, na cidade de Imbituba, em SC, onde Lizete ficou conhecida como Lili do vinho. Lá eles produziam vinhos naturais de garagem com uvas provenientes de Monte Belo do Sul/RS, no Vale dos Vinhedos, e da Serra Catarinense: São Joaquim e Urubici.
Utilizando métodos naturais: sem leveduras artificiais, sem aditivos químicos e sem filtragem eles já produziram vinhos naturais com uvas finas e de mesa como: Merlot, Pinot Noir, Riesling Itálico, Sauvignon Blanc, Grechetto, Sangiovese, Montepulciano, Ribolla Gialla, Petit Manseng, Gewurztraminer, Chardonnay, Moscato, Cabernet Sauvignon, Malvasia de Cândia, Hebermont, Zeperina e Isabel.
A Domínio Vicari aposta também nos espumantes Nature elaborados, segundo Lizete, com um método ancestral. Recentemente ela lançou 5 rótulos: Moscato e Peverella; Rosé: Herbemont, 3 castas (Pinot Noir, Chardonnay e Riesling Itálico) e o Quintessência produzido com as uvas Pinot Noir, Riesling Itálico, Chardonnay, Peverella e Moscato. Os espumantes somaram apenas 250 garrafas.
Lizete diz que optou pelos vinhos naturais porque esse tipo de vinho expressa todo o seu potencial, por serem livres de leveduras comerciais e também não passam por filtragem nem são clarificados. “A utilização de pequenas doses de sulfitos (conservantes) é permitida, porém, só utilizamos para a esterilização dos materiais, não adicionamos aos nossos vinhos”.
Atualmente Lizete e José Augusto estão trabalhando em Monte Belo do Sul/RS, onde adquiriram um vinhedo e transferiram para lá a produção de vinhos, que ainda é feita em um porão, pois, não construíram as instalações da vinícola.
Em Monte Belo do Sul cultivam também suas próprias uvas: Chardonnay, Riesling Itálico e Pinot Noir, com o apoio do projeto de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) da Fecovinho/ Ibravin que tem auxiliado a Domínio Vicari no embasamento técnico e consultoria para a implantação da agricultura biodinâmica na propriedade.
Segundo Lizete, os maiores desafios para produzir uvas viníferas orgânicas do RS são de ordem climática, além da falta de conhecimento e do preconceito da maior parte dos produtores. Ouve-se constantemente as frases: “isso é coisa de louco”, “vocês vão perder tudo”, “isso não dá certo”.
Para superar os desafios quanto ao clima Lizete conta que tem trabalhado para a aumentar a resistência das plantas às adversidades da natureza, já quanto às críticas dos outros produtores buscam a troca de conhecimentos e o ensinamento pelo exemplo de que é possível sim produzir uvas de maneira sustentável no Rio Grande do Sul.
DON GIOVANNI E A BIODINÂMICA
O que existe mais no Brasil é a busca pelo vinho sustentável. Viticultores que reduzem ou eliminam o uso de agrotóxicos nos vinhedos utilizando as técnicas orgânicas e biodinâmicas na produção de uvas e outros que produzem vinhos com técnicas naturais, mas a grande maioria sem a certificação para as uvas e para o processo de produção natural.
Um bom exemplo é a vinícola Don Giovanni, em Bento Gonçalves/RS. Há três anos a vinícola iniciou um processo de conversão de seus vinhedos para o cultivo biodinâmico e já eliminou em 100% o uso de herbicidas e adubos químicos na propriedade. Os vinhedos são formados, em 80% por Chardonnay e Pinot Noir. A vinícola cultiva ainda Cabernet Franc, Merlot e Ancellota e também, por uma questão histórica, mantém um vinhedo de Isabel, latada, plantado em 1955.
Segundo Daniel Panizzi, gerente comercial da Don Giovanni, que acompanha de perto o projeto de biodinâmica conduzido pelo enólogo da vinícola, Maciel Ampese, e o consultor Jefferson Nunes, ambos com pós-graduação em Biodinâmica, diz que o objetivo da Don Giovanni nunca foi certificação.
“Se ela vier, será uma consequência. Estamos preocupados em fazer um trabalho sustentável para melhorar a qualidade dos nossos vinhos. As certificações não permitem exceções e sabemos que com nossas condições climáticas altamente variáveis, elas eventualmente irão existir e não podemos correr o risco de perdermos uma safra”.
Com relação à produção do vinho com uvas cultivadas de acordo com as técnicas da biodinâmica, o enólogo Maciel Ampese diz que os preceitos criados por Steiner permitem entender a videira e tudo que está em seu entorno a partir de visão muito mais ampla e que ele e sua equipe estão tentando buscar o equilíbrio do ecossistema ao invés de tentar remediar os desequilíbrios já existentes.
Assim, com base nesses preceitos, a Don Giovanni utiliza em seus vinhedos produtos naturais, geralmente encontrados ou cultivados na propriedade, além de uma série de projetos internos conduzidos por Maciel Ampese e o consultor Jefferson Nunes. Os compostos biodinâmicos gerados a partir dessas experiências, como um chifre de vaca enterrado com excremento do animal por um tempo e depois desenterrado, são utilizados em doses homeopáticas para restaurar equilíbrios específicos.
Por estar no meio do processo de adoção das técnicas da biodinâmica a Don Giovanni ainda não tem vinhos biodinâmicos, produzidos com uvas resultantes dessa nova filosofia de cultivo. Os vinhos naturais também ainda não estão nos planos da vinícola porque ela está focada na implantação das técnicas da biodinâmica, que já seria um caminho para o vinho natural também, mas como não existe no Brasil uma legislação específica que defina vinhos naturais, a vinícola preferiu focar na biodinâmica.
“Nossa pretensão sempre foi a qualidade na produção, com vinhos mais autênticos. Para produzirmos vinhos biodinâmicos temos vários fatores que teremos que observar, mas futuramente poderemos ter vinhos naturais”, afirma Maciel Ampese.
Segundo ele, a busca atual é pela sustentabilidade, pela harmonia com o meio ambiente, pela qualidade de trabalho ofertado aos colaboradores e a plena expressão do terroir da região. “Desta forma poderemos oferecer um produto com maior expressão e personalidade”.
Todos sabem que as condições climáticas na Região Sul, principalmente no Rio Grande do
Sul são altamente variáveis e esse é dos desafios que os vitivinicultores enfrentam na hora de adotar o cultivo orgânico ou biodinâmico em seus vinhedos. Daniel Panizzi, da Don Giovanni relembra os desafios já enfrentaram nos últimos três anos que estão trabalhando com o cultivo biodinâmico.
“Nesses três anos de experiência com a biodinâmica tivemos cenários bem distintos e situações difíceis. Algumas já esperadas, e outras que se tornaram um aprendizado. Trabalhar com vinhedos biodinâmicos em escala maior requer muita discussão e observação. Somos muito jovens nessa prática e somente o tempo nos mostrará o caminho a ser seguido. Temos muito a aprender, pois na prática encontramos situações que não estão nos livros”.
COOPERATIVAS
No Rio Grande do Sul as cooperativas têm sido uma alternativa para viabilizar a produção de uvas orgânicas, apesar de a maioria dos produtores ainda cultivar uvas de mesa e a certificação praticamente não existir. Ou seja, os cooperados seguem as regras da agricultura orgânica, mas poucos se interessam em certificar tanto a uva de cultivo orgânico ou biodinâmico quanto o vinho natural, porque os processos são complexos, caros e eles ficariam presos à certificação correndo o risco de perder uma safra inteira pelo não cumprimento de alguma regra da certificação devido às variações climáticas. Além disso, não há muito interesse dos produtores de vinhos naturais, por exemplo, em investir no cultivo de uvas viníferas, eles preferem as uvas de mesa.
“Muitos vitivinicultores produzem vinhos e sucos orgânicos, principalmente de uvas hibridas e americanas,muitas vezes solitários e desarticulados, ou em cooperativas e associações, específicas para esse propósito, ou também, em vinícolas e cooperativas com duplo objetivo (orgânicos e convencionais). Neste sentido A Fecovinho e o Ibravin lideram um movimento indicativo, e principalmente na diminuição do uso de agrotóxicos ou no campo, na análise dos custos de produção e sustentabilidade setorial”, afirma Marchioro.
Esse movimento contribui mais para a diminuição dos agrotóxicos na produção de vinhos de mesa e de suco de uva, mas pouco contribui para o surgimento de vinhos finos produzidos com uvas viníferas certificadas de acordo com as técnicas da agricultura orgânica ou biodinâmica.
Em função disso, o Brasil aparece mais atrasado que a maioria dos países no que se refere à produção de vinhos com uvas viníferas certificadas pelo cultivo orgânico ou biodinâmico. Mesmo na Região Sul, onde está a maioria dos produtores de vinho é raro encontrar algum produtor de vinhos finos com uvas orgânicas ou biodinâmicas certificadas.
Hélio Marchioro é um adepto do cooperativismo e sempre busca apoio de outros cooperados para produzir uvas com técnicas orgânicas e biodinâmicas, mas na maioria dos projetos ainda não tem certificação.
“As uvas que produzo recebem todo o tratamento biodinâmico, sigo o calendário, entretanto ainda não possuo certificação. O grupo de produtores, juntamente com o Centro Ecológico e a Fecovinho estão estudando uma forma de conseguirmos a certificação. Também está empenhado neste processo, o Ibravin - Instituto Brasileiro do Vinho”. Além disso, em parceria com outros viticultores, eles estão produzindo as uvas cultivadas sob os preceitos da biodinâmica, sem certificação, para produzir vinhos de fermentação espontânea, (chamados de naturais).
Segundo ele, a opção pela produção de vinhos naturais é uma opção de vida. “Frente ao ataque da indústria do veneno, fazer humildemente o meu papel, no sentido de mitigar esta prática agressiva e irracional, com o pensamento nas próximas gerações e em outro processo produtivo de alimentos e consumo”.
Marchioro explica que a produção de vinhos naturais feita por ele e seus parceiros de cooperativa, principalmente com uvas de mesa, segue todos os processos de vinho convencional, porém, não agregam leveduras exógenas, não fazem filtragem, não adicionam conservantes e evitam produtos de arredondamento do vinho a exemplo da madeira.
Na verdade, esse vinho natural que os vitivinicultores produzem Rio Grande do Sul é quase uma volta aos primeiros vinhos produzidos pelos imigrantes italianos quando chegaram ao Brasil tanto na forma de produzir quanto no consumo familiar e direto ao consumidor. Raramente é vendido em outras regiões do país.
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