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  • Vinho Magazine

Qualquer consumo de álcool é danoso à saúde? NÃO!

Uma abordagem crítica rigorosamente científica sobre estudos recentes

Por: Dr. Jairo Monson de Souza Filho (médico)



A mídia do mundo repercutiu de maneira equivocada um estudo publicado em abril de 2023 na JAMA Network Open, conduzido pelo Dr. Jinhui Zhao e outros pesquisadores do Canadian Institute for Substance Use Research da University of Victoria e da Universidad de Portsmouth. Essa pesquisa analisou a relação entre o consumo de álcool e a mortalidade total, considerando 107 estudos observacionais de cohortes, envolvendo um total de 4.838.825 indivíduos.


É preciso destacar que esse estudo enfrenta críticas significativas da comunidade científica. Vamos abordar as principais críticas apresentadas.


• Interpretação dos resultados: Os dados apresentados no estudo não respaldam a afirmação de que “qualquer quantidade de álcool é danosa”. A dificuldade na compreensão adequada do estudo pode ser atribuída, em parte, à linguagem técnica do artigo e a redação nas “conclusões e relevância”, afirmando que “a ingestão diária baixa ou moderada de álcool não foi significativamente associada ao risco de mortalidade por todas as causas”. Ressalte-se que, no contexto estatístico, o termo “significativamente” refere-se à significância estatística. O estudo, ao analisar todos os dados disponíveis, não encontrou aumento e sim uma redução de 15% no risco relativo de mortes por todas as causas, com significância estatística, para o consumo de qualquer quantidade de álcool! Mesmo após a correção para quatro possíveis fatores de

confusão, o resultado se manteve! No entanto, quando os autores corrigiram para vários outros fatores potenciais de confusão, a diminuição do risco relativo de morte por todas as causas continuou sendo encontrada, mas agora sem significância estatística. Essa falta de significância estatística nas análises corrigidas gerou a frase nas “conclusões e relevância” do estudo, o que pode ter levado a interpretações equivocadas.


• Estudos anteriores e inclusão de novos estudos: Os autores afirmam que esse estudo é uma atualização de uma pesquisa semelhante publicada por eles em 2016, que envolveu cerca de 4 milhões de indivíduos. Nesta publicação, foram considerados 81 estudos observacionais de cohortes, dos quais um (1,2%) se mostrou neutro, 72 (88,9%) mostraram benefícios para o consumo de qualquer quantidade de álcool, sendo que 33 (40,7%) apresentaram significância estatística. Além disso, apenas 8 (9,9%) estudos mostraram danos, sendo somente um (1,2%) deles com significância estatística. Na publicação de 2023, foram adicionados 26 estudos,cujos dados não foram disponibilizados, mas apenas referenciados. Supõe-se que a adição desses 26 estudos não tenha alterado significativamente as proporções mencionadas anteriormente.


• Diferenças de raças: Entre os estudos incluídos nessa última análise estão três feitos com orientais. Sabe-se que estes têm inibida a enzima Aldeído desidrogenase e por isso são menos tolerantes ao álcool e suscetíveis a danos com doses mais baixas. Isso pode ter impacto nas análises estatísticas.


• Limitações na mensuração do consumo de álcool: A informação sobre o consumo de álcool foi comprometida. Um dos motivos é porque a ingestão foi auto informada e, os indivíduos tendem a subestimar o consumo. Isso impacta na análise dos dados. Outro motivo foi que em muitos estudos a informação sobre o consumo de álcool foi obtida em apenas um ponto do tempo, enquanto a análise dos dados se refere a um período de vários anos.


• Confiabilidade no grupo de abstêmios: Nesse grupo foram incluídos indivíduos que não bebem porque são doentes e têm contraindicação ao consumo de álcool. Isso também impacta na análise dos dados.


• Diferenças biológicas e de sexo: Os autores ignoraram as diferenças biológicas entre homens e mulheres em sua apreciação, agrupando ambos os sexos para a análise. É bem conhecido que as mulheres metabolizam o álcool de forma diferente dos homens, e os níveis seguros de ingestão de álcool são menores para as mulheres. Se os autores tivessem analisado homens e mulheres em grupos separados, levando em consideração parâmetros diferentes, os resultados também seriam diferentes.


• Possíveis fatores de confusão: Poucos estudos dispunham de dados para corrigir todos os possíveis fatores de confusão. Isso diminui muito o número da amostra e a força estatística do trabalho. Os autores não informaram o tamanho da amostra, quando fizeram a correção para múltiplos possíveis fatores de confusão.


• Definição de consumo baixo de álcool: A crítica mais contundente que os autores recebem é por terem usado 25 gramas de álcool (o equivalente a 250 mL de vinho a 12,5 ºGL) por dia como o limite entre o consumo leve e moderado, tanto para homens como para mulheres. A maioria dos pesquisadores considera esse um consumo alto. O Center for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos da América considera como consumo moderado de álcool para homens de 6 a 28 gramas por dia e para mulheres de 6 a 14 gramas por dia. Isso é muita diferença! Se, nesse estudo liderado pelo Dr. Jinhui Zhao, fossem usados os critérios adotados nos EE.UU., certamente os resultados seriam diferentes.


• Conflitos de interesse: Ao menos um dos autores declarou ter recebido dinheiro de uma instituição que combate o consumo de álcool, para a realização desse estudo. Embora isso não comprometa a seriedade e os resultados do estudo, precisa ser explicitado.


• Consumo de álcool e mortalidade total: Vários pesquisadores referem a importância de relacionar o consumo de álcool não apenas com a mortalidade total, mas também com causas específicas, como cardiocirculatórias e cânceres. Estudos têm mostrado uma diferença significativa.


• Falta de distinção entre tipos de bebidas alcoólicas: Outra crítica relevante é que o estudo não fez distinção entre os diferentes tipos de bebidas alcoólicas. Considerar todas as bebidas alcoólicas iguais, quanto aos efeitos sobre a saúde, é um erro e uma injustiça, uma vez que outros estudos mostraram consistentemente que o vinho oferece mais benefícios e menos danos, em comparação com outras bebidas alcoólicas, quando o consumo de álcool é semelhante. Considerar destilados, cerveja e vinho como tendo os mesmos efeitos para a saúde é como considerar todos os antibióticos iguais. Não são!


• Evidência científica disponível hoje: A análise feita em dados de quase 5 milhões de indivíduos pela equipe do Dr. Jinhui Zhao, publicada em abril de 2023, contradiz explicitamente a afirmação de que “qualquer quantidade de álcool é danosa”. E se olharmos para os dados disponíveis nos 81 estudos da publicação de 2016 (uma vez que na publicação de 2023 não constam os dados dos 26 novos estudos incluídos) o que encontramos é que para cada um estudo que mostra danos à saúde pela ingestão de qualquer quantidade de álcool, temos 9 que mostram benefícios de uma ingesta moderada! E se considerarmos apenas os estudos com significância estatística a proporção é ainda maior: um para 33.

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