O enólogo Flávio Zilio comanda a produção da maior vinícola do país, sempre de olho na qualidade
Por: Maria Edicy Moreira
Sem inspiração não existe um grande vinho... Essa é a visão do enólogo Flávio Zilio, responsável pela cantina da Cooperativa Vinícola Aurora, na qual trabalha há 29 anos e ocupa o cargo de gerente de enologia.
Para ele, além das características da uva, de cada safra e dos métodos e técnicas, elaborar um novo vinho requer muita inspiração. A ciência para a elaboração da bebida já é conhecida, mas a grande diferença mora nos detalhes. E aí tem que ter criatividade levando em conta a combinação das uvas, as fermentações, a aplicação de diferentes insumos enológicos durante essas fermentações, as práticas enológicas de cantina. Tudo isso vai influenciar no vinho e tem que ser muito bem pensado.
Aparentemente, o enólogo tem liberdade para criar seus vinhos, mas Zilio lembra que existem limites que devem ser respeitados, pois o profissional precisa usar seus conhecimentos de acordo com o material que tem e as orientações da empresa: não pode simplesmente fazer do seu jeito. “Algumas regras têm que ser seguidas. Tenho que reunir todas as possibilidades e transformá-las em realidade. Isso nós temos feito na Aurora com muito sucesso”, afirma.
Os longos anos de experiência fizeram com que enólogo percebesse a importância de pensar na qualidade da bebida combinando com o lado comercial e ele faz isso, mas admite que foca mais na enologia porque um grande vinho nasce no vinhedo, passa pela sala da enologia e depois tem toda a questão do envelhecimento em carvalho, em garrafa... Todos esses processos são muito importantes.
Após elaborar os vinhos, ao final da safra, Zilio tem que apresentá-los à direção da Aurora e, segundo ele, não é uma tarefa fácil. “Posso até explicar alguns insucessos, dependendo da safra, isso até é normal, mas se os insucessos forem em demasia, aí teremos um problema. Então meu foco ainda é na enologia e acredito que vai ser até o final, mesmo que eu ajude o comercial e o marketing, sem esquecer que, entre a palavra do patrão e a minha sensibilidade diante do processo produtivo, tem que haver um equilíbrio entre as questões comerciais e enológicas”.
Além da enologia, Flávio Zílio estudou Administração voltada ao Marketing e à Gestão de Negócios e isso facilitou seu relacionamento com as pessoas dessas áreas e seu trabalho como enólogo. “Eu conhecia a enologia e a produção, mas tinha um pouco de dificuldade na questão comercial e no marketing, e o curso fez com que eu compreendesse como funciona o mercado. Ajudou na opinião sobre os estilos de vinhos e a apresentação dos produtos, que não é função minha, mas eu participo. Dizem que marketing é identificar uma necessidade através da pesquisa e supri-la através da troca. Então mesmo não sendo minha função, emito minha opinião nestas áreas quando solicitado. Como gerente de enologia acabo tendo várias funções. Isso me ajudou a compreender um pouco mais como funciona uma empresa e não somente a produção”.
O VINHO NACIONAL
A Covid-19 com seus lockdowns, que chegou ao país em 2020, levando o consumo de vinhos para dentro de casa, foi um marco para que os brasileiros descobrissem que santo de casa faz milagre. Zílio afirma que o consumidor tinha certo preconceito, não só com o vinho brasileiro, mas com a bebida em si. Não tinha tanta intimidade com seus aromas e sabores e, nos últimos anos, com a divulgação na mídia, o consumidor passou a se interessar mais pelo vinho e descobriu que as vinícolas nacionais têm diferentes produtos de qualidade.
“Não é novidade para ninguém que os vinhos brasileiros, inclusive os de mesa, evoluíram de forma significativa. Eu que milito no setor tenho conhecimento desses avanços. Isso fez com que os vinhos nacionais se adequassem mais ao paladar desse novo consumidor.”
Com uma postura otimista e realista frente ao vinho nacional, Zilio observa que o Brasil tem um mercado totalmente aberto. “Nós temos que continuar a crescer em qualidade, e não tenho dúvidas sobre o sucesso dos produtores. Está provado que podemos elaborar vinhos excelentes como muitos que se apresentam no mercado. E quando falamos em espumantes está mais do que comprovado que temos um clima muito propício”.
O enólogo destaca os vinhos brancos que, em sua opinião, são muito bons e lembra que os tintos evoluíram muito. Hoje é possível ir a qualquer casa, pedir um tinto nacional entre as muitas opções de boa qualidade de várias regiões e se surpreender. “Acredito que estamos vivendo um momento muito bom em relação à qualidade do vinho brasileiro. Cada um apresenta suas características, porque o terroir (clima, solo e homem) do vinho ninguém cópia”.
Em sua opinião, o vinho brasileiro já vem evoluindo há alguns anos, mas nos últimos anos temos dois marcos importantes: as safras de 2020 e 2022, apesar de 2019 ter sido uma safra boa. As mudanças climáticas estão favorecendo a qualidade do vinho brasileiro.
Zilio conta que sua iniciação no mundo do vinho começou na infância, ao lado do avô (o nono) e do pai que tinham pequenos vinhedos e elaboravam vinhos artesanais. “Comecei com 6 ou 7 anos. Lembro-me de que no vinhedo havia uma variedade chamada Goethe, que tem uma baga muito dura, e nós não gostávamos dela porque demorava para ser pisada, dava trabalho, e o nono e meu pai queriam que fosse muito bem pisada”.
Aluno esforçado, com 15 anos Zilio havia concluído o ginásio, então mudou-se para Bento Gonçalves com o objetivo de estudar administração, um curso de 2º grau. Porém, não se adaptou e voltou para a casa dos pais ficando lá dos 15 aos 22 anos, trabalhando na roça.
Ao ver seu irmão Adilson, três anos mais novo, estudando Agropecuária na Escola Agrotécnica de Bento Gonçalves, sentiu vontade de voltar a estudar. Mudou-se para Bento Gonçalves e por três anos estudou enologia.
Flavio Zilio sempre teve sorte em sua profissão e não se esquece das pessoas que lhe ajudaram. A começar pelo professor Firmino.” Sempre tivemos uma relação muito forte e quando falo dele me emociono. Eu morava no internato e ele tinha uma salinha no fundo do corredor. Quando chegava da sala de aula ou da biblioteca via ele lá preparando as aulas. Para mim ele é um marco da vitivinicultura brasileira, me ensinou toda a base enológica. Eu saí da escola sabendo o que tinha que ser feito... As provas dele eram objetivas... O que os alunos precisavam saber ele cobrava... Por isso, tenho um carinho muito grande primeiro pela escola daquela época, pelo Firmino e todas as pessoas que me ajudaram, meu pai e minha mãe e toda a minha família, e outros professores que fizeram com que eu pudesse chegar aqui”.
“Trabalhei em poucas empresas e estou na Aurora há 29 anos. Então eu digo que posso encontrar uma empresa igual à Aurora, mas melhor não encontro, e eu tive a felicidade de chegar até aqui. Me realizei pessoalmente porque conheci muitas pessoas, conheço partedo Brasil, algumas partes do mundo através da enologia. Fui e ainda aí sou muito reconhecido pelo meu trabalho e por estar em uma grande cooperativa que é a Vinícola Aurora. Então, quanto à realização pessoal, se eu reclamasse seria injusto, porque sou uma pessoa realizada e muito respeitada”.
Para ele outro marco importante em sua carreira foi ter sido escolhido O Enólogo do Ano em 2016 pela Associação Brasileira de Enologia, a ABE. “Tenho certeza de que a Aurora ajudou muito nisso, meus colegas também tiveram uma importância muito grande. Então posso afirmar que sou sim realizado profissionalmente”.
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